25.5.05

Omnibus para todos

Segundo nossa consultora para assuntos de língua latina, a palavra ônibus vem da expressão "omnibus", que significa "para todos". Muito certa e coerente a utilização da palavra em português, pois é nos ônibus que viajam todos: pobres e ricos, crianças e velhos, pretos e brancos.

Nossa infância em Urubici foi marcada pela presença obrigatória do ônibus na vida das pessoas. Havia uma linha que vinha de São Joaquim e ia até Alfredo Wagner (Barracão). Este ônibus era conhecido simplesmente por "Linha ".
- A Linha já desceu, seu Zito?
- Não ainda não chegou lá no Vigorelli, mas já escutei apitando no Avencal lá na Curva do Caixão. Não demora tá aí.

Pois a Linha dava sinais de sua chegada. No silêncio da pequena Urubici, escutava-se os "apitos" no Avencal e suas sonoridades diferentes informavam em que lugar exato se encontrava o ônibus. Antes da ponte, próximo ao Moinho do Seu Celeste o apito era considerado como a hora de pegar a mala e ir indo em direção à rodoviária que ficava ao lado do Posto de gasolina do Antônio Ghizoni.

Outra personagem motorizada mais antiga era o "Bicudinho". Um espécime estranho que possuía um porta-malas acima do teto.

Bicudinho - Ford F8 1950 em frente à Casa Paroquial
Colocar malas no teto, pelo lado de fora parecia algo normal. Com a poeira toda e o barro das estradas antigas... imagine como ficavam as roupas nas malas.

O  Bicudinho levava apenas 19 passageiros, um cobrador e um motorista. Lotação completa. Ninguém se queixava de nada... Pneus furados...  atrasos de horas... radiador fervendo... barreira no panelão tendo que dormir em Santa Clara... nada incomodava ninguém. Todos seguiam a sua viagem felizes da comodidade que os tempos modernos os presenteavam.

Alguém está com caganeira? Não é problema. O Bicudinho parava e o vivente ia cagar no mato... A mulher que abriu a janela pra vomitar perdeu a dentadura... não esquenta a cabeça: O motorista manda o cobrador descer e procurar o "aparelho" pela estrada.

Tempos felizes, aqueles em que todos se sentiam presenteados com as "dádivas da tecnologia". Ninguém colocava seus "direitos" de forma ostensiva para exigir privilégios.

A Linha fazia "baldeação" (isso mesmo: baldeação...) em Barracão e o freguês podia pegar um ônibus da Empresa Haverroth para seguir para Rio do Sul, com direito às curvas da estrada apertada de Ituporanga cercada de vergamoteiras carregadas. O Urubiciense quando chegava na Rodoviária de Ituporanga fazia questão de comprar algumas daquelas vergamotas cheirosas. E o ônibus todo se enchia do perfume doce e cítrico. Um cheiro delicioso mas que rapidamente se tornava enjoativo. ... e todo mundo vomitava todas as vergamotas que havia saboreado. (Meu Deus! Como vomita essa gente!)

Outra alternativa da linha era descer o Quebra-Dente rumo à Florianópolis, com direito a uma parada no "Café dos Alemão" em Taquaras para comer pão de milho caseiro e tomar café de 500 réis (50 centavos de um cruzeiro) a xícara.

Havia também outro ônibus muito interessante. Todos conheciam o ônibus amarelo da Empresa Rex como "O Lageano". Esse ônibus era dirigido por uma figura folclórica, o Pêta, filho da Dona Cristina. Um sujeito gorduchinho, com uma gravatinha azul muito pequena em comparação com sua barriga, um palitinho sempre sendo mascado e um "ensaio de bigode" fino e espetadinho logo acima dos dentes.
O "Lageano" com o Pêta em ação e seus passageiros
Mas... O Pêta era "uma parada"! Ele cantava ao volante. Deliciava os passageiros com lindos boleros e parava o lageano em Bocaina do Sul, num bar de madeira com forte cheiro de pastel frito. Ali uma mulher cega entrava no ônibus e, sob a indulgência do Pêta, pedia esmolas de modo peculiar:
- Mais arguns corações generosos vão me ajudar????

São tantas as histórias do Pêta, deslizando na lama do Rufino, atravessando rios na Consolação, mandando o passageiro embarcado no Vacariano colocar as galinhas que trouxera, ali mesmo ao lado do capô do motor...

Ônibus é saudade. Saudade de um tempo em que cada um se colocava em seu lugar, admitindo que outros também tivessem seu cantinho, seu jeito, sua maneira própria de ir vivendo a vida. Nos ônibus de Urubici a vida tinha uma regra fundamental para a boa convivência: a regra da TOLERÂNCIA.
Isso somente poderia mesmo acontecer nos ÔNIBUS. porque afinal, os omnibus são para todos.
UM PASSINHO ATRÁS FAAAAAZ FAVÔÔÔ...


Auto Viação Haverroth - Barracão a Rio do Sul

Lages - Florianópolis. Alternativa em Santa Clara - É só levantar o braço e ele para.