Nossa infância em Urubici foi marcada pela presença obrigatória do ônibus na vida das pessoas. Havia uma linha que vinha de São Joaquim e ia até Alfredo Wagner (Barracão). Este ônibus era conhecido simplesmente por "Linha ".
- A Linha já desceu, seu Zito?
- Não ainda não chegou lá no Vigorelli, mas já escutei apitando no Avencal lá na Curva do Caixão. Não demora tá aí.
Pois a Linha dava sinais de sua chegada. No silêncio da pequena Urubici, escutava-se os "apitos" no Avencal e suas sonoridades diferentes informavam em que lugar exato se encontrava o ônibus. Antes da ponte, próximo ao Moinho do Seu Celeste o apito era considerado como a hora de pegar a mala e ir indo em direção à rodoviária que ficava ao lado do Posto de gasolina do Antônio Ghizoni.
Outra personagem motorizada mais antiga era o "Bicudinho". Um espécime estranho que possuía um porta-malas acima do teto.
Colocar
malas no teto, pelo lado de fora parecia algo normal. Com a poeira toda
e o barro das estradas antigas... imagine como ficavam as roupas nas
malas.
O Bicudinho levava apenas 19 passageiros, um cobrador e um
motorista. Lotação completa. Ninguém se queixava de nada... Pneus
furados... atrasos de horas... radiador fervendo... barreira no panelão
tendo que dormir em Santa Clara... nada incomodava ninguém. Todos
seguiam a sua viagem felizes da comodidade que os tempos modernos os
presenteavam.
Alguém
está com caganeira? Não é problema. O Bicudinho parava e o vivente ia cagar
no mato... A mulher que abriu a janela pra vomitar perdeu a
dentadura... não esquenta a cabeça: O motorista manda o cobrador descer e
procurar o "aparelho" pela estrada.
Tempos
felizes, aqueles em que todos se sentiam presenteados com as "dádivas
da tecnologia". Ninguém colocava seus "direitos" de forma ostensiva para
exigir privilégios.
A
Linha fazia "baldeação" (isso mesmo: baldeação...) em Barracão e o
freguês podia pegar um ônibus da Empresa Haverroth para seguir para Rio
do Sul, com direito às curvas da estrada apertada de Ituporanga cercada
de vergamoteiras carregadas. O Urubiciense quando chegava na Rodoviária
de Ituporanga fazia questão de comprar algumas daquelas vergamotas
cheirosas. E o ônibus todo se enchia do perfume doce e cítrico. Um
cheiro delicioso mas que rapidamente se tornava enjoativo. ... e todo
mundo vomitava todas as vergamotas que havia saboreado. (Meu Deus! Como
vomita essa gente!)
Outra
alternativa da linha era descer o Quebra-Dente rumo à Florianópolis,
com direito a uma parada no "Café dos Alemão" em Taquaras para comer pão
de milho caseiro e tomar café de 500 réis (50 centavos de um cruzeiro) a
xícara.
Havia
também outro ônibus muito interessante. Todos conheciam o ônibus
amarelo da Empresa Rex como "O Lageano". Esse ônibus era dirigido por
uma figura folclórica, o Pêta, filho da Dona Cristina. Um sujeito
gorduchinho, com uma gravatinha azul muito pequena em comparação com sua
barriga, um palitinho sempre sendo mascado e um "ensaio de bigode" fino
e espetadinho logo acima dos dentes.
Mas...
O Pêta era "uma parada"! Ele cantava ao volante. Deliciava os
passageiros com lindos boleros e parava o lageano em Bocaina do Sul, num
bar de madeira com forte cheiro de pastel frito. Ali uma mulher cega
entrava no ônibus e, sob a indulgência do Pêta, pedia esmolas de modo
peculiar:
- Mais arguns corações generosos vão me ajudar????
São
tantas as histórias do Pêta, deslizando na lama do Rufino, atravessando
rios na Consolação, mandando o passageiro embarcado no Vacariano
colocar as galinhas que trouxera, ali mesmo ao lado do capô do motor...
Ônibus
é saudade. Saudade de um tempo em que cada um se colocava em seu lugar,
admitindo que outros também tivessem seu cantinho, seu jeito, sua
maneira própria de ir vivendo a vida. Nos ônibus de Urubici a vida tinha
uma regra fundamental para a boa convivência: a regra da TOLERÂNCIA.
Isso somente poderia mesmo acontecer nos ÔNIBUS. porque afinal, os omnibus são para todos.
UM PASSINHO ATRÁS FAAAAAZ FAVÔÔÔ...
Um comentário:
Os omnibus são mistérios profundos que a humanidade insiste em ignorar. Chegará o dia em que teremos que encará-los de forma definitiva.
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