17.4.09

A passagem




O Rio Urubici rumorejava feliz na altura da ponte de madeira em que os caminhões da Florestal bufando vapores sob o capô e soltando fumaça pelos aros dos rodados ferventes davam sinais de que fariam a parada salvadora no Posto do Ghizoni.

Também desciam o Avencal as tropas de gado chucro e feroz. O gado comportava-se bem até a ponte. Os peões que conduziam o gado sabiam que, durante a descida do morro, na estrada ladeada por campos e pinheirais, o gado experimentava um certo conforto de um ambiente que lhe era familiar. Ao chegar na cidade porém, os bovinos se espantavam com o burburinho das crianças do grupo escolar e passavam já assustados no Bar da Praça, onde alguns bebuns convictos saudavam os vaqueiros com assobios e gritos de “eeeira boi…”. A adrenalina do gado subia a níveis incontroláveis.

Mas o pior os peões já sabiam. Na altura do armazém do seu Max, o gado tinha que descrever uma curva à esquerda e como alguns bois, já esbaforidos, apressassem seu passo, tendiam a seguir em linha reta na direção da casa do morro.

O velho Max aproximava-se da porta do armazém para apreciar a boiada. Com olhar divertido percebia a exaltação dos bois e chamava a esposa para assistir o momento em que se colocaria à prova a perícia dos vaqueiros.
-Lídia, corre pra ver o boi brabo. – Dona Lídia aproximava-se da porta do armazém, esticando o pescoço a guardar-se para o caso de algum boi atrevido buscar abrigo dentro da venda.
-Credo! Max, quem é aquele moço do cavalo troteador? É o Lessinho, filho do véio Leco? Credo Max, eu fazia gosto de que ele namorasse a Marli, mas parece que ele gosta é da filha do Abilo

Seu Max com um sorriso franco sorvia as palavras da esposa com satisfação. Sempre era assim. Ele falava baixinho e desafiava a mulher com pitadas de bom humor, para que a esposa se pusesse a expressar suas angústias, alegrias e opiniões. Max não dizia mais nada. Apenas continuava a sorrir. Aquele sorriso perfeito. Silencioso e feliz. Mesmo agora, quando alguns bois subiam na calçada da venda fazendo com que dona Lídia se refugiasse atrás do balcão, seu Max continuava sorrindo, confiante no “braço” dos cavaleiros que pastoreavam a boiada selvagem.

O cavalo troteador passou rente à porta do armazém. O cavaleiro aproximou o arreador à aba do chapéu para cumprimentar:
-Buenas seu Max! – E lá se foi o Lessi troteando por entre as guampas afiadas buscando posicionar-se à entrada da rua para evitar que o gado seguisse em frente.
-EEEEEIIIIRA!


Não obstante o esforço dos vaqueiros, a boiada se dividiu. Uns seguiram no rumo da casa do morro, espalharam-se pela Santa Cruz, em frente à igreja. Outros desceram apressados pelo canto da calha da roda d’água e caíam no Riacho escorregando nas pedras lisas de limo. Algumas reses bebiam calmamente a água do cocho de madeira das lavadeiras. Outros se empapuçavam com as folhagens da casa da dona Carmelina.

As crianças que desciam da igreja ficaram em meio ao estouro da boiada. A gritaria espalhou-se pela praça e as lavadeiras largaram suas trouxas de roupa buscando refúgio na rodoviária, no hotel da dona Judite, na venda do Bastiãozinho, ou na loja do seu Abílio.

Dentro do lageano, Pêta, o motorista, gritava divertido. No meio do campinho, atrás da verdureira, Geni, o Mariposa, distraíra-se descascando um abacaxi e não percebeu a boiada chegando. Cercado pelos bois, o Mariposa os toureava como podia. Os chifres passavam rente a sua bunda saliente e o Pêta, da janela do ônibus, gargalhava e finava-se de rir:
-Sai Geni… Olha o outro aí atrás… Ah Ah Ah! Cagou-se Mariposa!

Seu Abílio correu para proteger os cristais da loja abaixando a porta de ferro. Dona Elvira gritava pelas crianças que haviam ficado no paiol.
-Fiquem aí. Não saiam agora.


Um boi enfurecido adentrou pelo quintal, passou bufando pela cerca-viva e investiu contra algumas peças de roupa que secavam no varal.
O cavalo do Lessi saltou o portãozinho de madeira e o filho do véio Leco armou uma laçada certeira nas guampas do boi que se atrevera pelo quintal da casa do seu Abílio.

Orgulhoso, Lessi conduzia a rês atada pelos chifres. O cavalo passou pela janela da casa. Lessi recolheu as rédeas numa manobra elegante. Levou a mão ao chapéu cumprimentando as duas moças bonitas que estavam à janela. A mais nova falou à outra:
- Olhe Alda! É esse. Veja como ele é bonito.

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