23.3.14

Florianópolis do Futuro: Uma Rede de Superciclovias


Em Florianópolis, quando o assunto é ciclovia, pouco se entende do que se fala. As autoridades parecem considerar o assunto como “coisa de bicho-grilo”. Então esses jovens insistem e convencem o prefeito a pintar um ladinho na rua e batizar com solenidades e pompas de “ciclovia”.

O espaço reservado não é suficiente para passar uma só bicicleta. No caminho os carros estacionam e as empresas coletoras de entulho fazem da faixa um local preferencial para repousar por longos períodos suas caçambas coletoras de entulhos desavergonhadamente identificadas com os telefones de contato.

Há aqui algo mais do que a simples abordagem conceitual. Há uma recusa em aceitar que a ciclovia é o futuro. Há também o descaramento de esconder o benefício enorme que uma ciclovia bem planejada traz para uma cidade como Florianópolis.

Imagine a quantidade de automóveis em circulação que seria reduzida com a implantação de um projeto completo. Imagine a redução de poluentes, a limpeza, a energia boa que Floripa teria ao se tornar a primeira cidade brasileira com real prioridade para ciclistas.



Agora, não estamos falando de faixas roubadas às ruas estreitas. Estamos falando aqui de um grande projeto: Uma rede de ciclovias com um ramo começando em Barreiros e terminando na UFSC.  Outro ramo começaria na Beira-mar de São José e também terminaria na UFSC. Ambos os ramos formariam um “X” se cruzariam na ponte Hercílio Luz, seguindo cada qual por um lado do morro.

Isto seria apenas o começo e inspiraria a construção de muitas variantes que se interligariam em vários pontos, além de se estender com uma via para o Norte passando por toda a orla de Cacupé a Ponta das Canas, e outra via para o Sul chegando ao Ribeirão da Ilha.

Esta ciclovia seria construída com pistas exclusivas, sem nenhum cruzamento com as ruas dos automóveis e teria cerca de 8 metros de largura com elevados longos de mínima declividade. Parte poderia ser com cobertura de acrílico e parte não coberta. Nos percursos próximos à orla seriam construídas praças de convivência com bancos, mesas e árvores.

Custa caro? Custa quanto? Nós pagamos. Vamos levar o projeto para o Ministério das Cidades para obter os recursos. Vamos construir nosso futuro e festejar o fato de que nossa cidade é uma das poucas no Brasil que se presta a um projeto dessa natureza. Vamos festejar a estupefação do mundo diante  da nossa audácia. Vamos nos divertir indo para o trabalho e para a Universidade com nossas bikes e encontrar os turistas pedalando e comentando que Floripa é "O MÁXIMO!"


Florianópolis 23 de março de 2014

26.2.14

A Paisagem Urbana de Urubici no Início do Século XX (Um olhar sobre uma cidade que era bela e não sabia)



Ao observar fotos antigas de Urubici, uma característica curiosa é percebida de imediato: Todos os telhados possuem inclinação elevada como aquela utilizada na Europa central. A razão da utilização de telhados com inclinações entre 90% e 100% , na Europa é atribuída à necessidade de proteção contra o peso da neve que se acumula durante o inverno. Grandes nevadas também ocorrem na região serrana de Santa Catarina, e esta seria, possivelmente a primeira razão da escolha de grandes inclinações para os telhados da Urubici antiga.



Há que se considerar que as residências antigas de Urubici não utilizavam telhas de barro. Não havia na região olarias com tecnologia suficiente para moldar as telhas cerâmicas. O fabrico de telhas de barro é consideravelmente mais complexo do que o fabrico de tijolos.

Os telhados eram todos feitos de madeira lascada em fatias finas que eram sobrepostas e pregadas em áreas suficientes para dar a cobertura necessária. A utilização da madeira tinha a vantagem de se contar com material abundante e barato. Além disso, o telhado de madeira permitia a utilização de um modelo simplificado de vigamento deixando grandes áreas na parte superior das casas o que constituia área extra na residência: o conhecido sótão, que era utilizado como depósito ou  mesmo como dormitórios.

Assim, era impensável um outro modelo arquitetônico senão aquele que trazia para as ruas uma paisagem interessante formada por telhados bicudos e beirados com franjas desenhadas também em madeira para compensar sua pequena largura.

Para se medir a inclinação de um telhado é necessário utilizar a fórmula:

Assim a estimativa do percentual de inclinação das antigas casas de Urubici foi feito com base em fotos do início do século XX em que, medindo o ângulo total do telhado, se obteve uma abertura de 90 graus. Isto significa que os valores “h” e “L” da fórmula seriam iguais. Supondo-se então uma cumeeira que tenha uma altura h=4m e a metade da largura da casa também L=4m, tem-se uma inclinação I=100%, o que significa que a cada 1 metro de telhado a altura desce também 1 metro. 




A partir da chegada das telhas de barro conhecidas como “telhas francesas”, aos poucos a cidade foi perdendo suas casas com telhas de tabuinhas.  A inclinação máxima exigida para os telhados de cerâmica não poderia exceder os 40% em razão da fixação frágil que teria em inclinações maiores convertendo os telhados em alvo fácil dos ventos.

A população começou a utilizar rapidamente o novo modelo de telhado cerâmico pela conveniência do maior índice de vedação. As tabuinhas de madeira iam rapidamente sendo invadidas por umidade e se deterioravam deixando as residências desprotegidas das intempéries com goteiras novas aparecendo a cada chuva.

Com isso, a bela característica dos telhados de grande inclinação se perdeu em Urubici que passou a contar com uma arquitetura mais convencional, menos bela e, com certeza, menos típica. A telha de cerâmica exigia madeiramentos mais reforçados e inclinações menores que 40%, decretando o fim dos sótãos que eram a alegria das crianças nas brincadeiras de esconde-esconde.

Mas nem tudo o que é ruim não pode ser ainda pior. O advento de novas tecnologias colocou as pessoas sob telhados de amianto apesar de todas as conhecidas doenças relacionadas ao uso deste material. O cimento-amianto cobriu muitas casas na cidade enfeiando a paisagem e empobrecendo o traço cultural marcante que dominou Urubici em seus primeiros anos: os telhados de inclinação elevada.

Sinceramente, eu gostaria de voltar a ver telhados inclinados como aqueles que via na minha infância em Urubici. Hoje existe tecnologia para garantir a perfeita vedação, utilização das áreas de sótãos e permitir uma paisagem urbana  fundamentada em suas raizes históricas e culturais.

A pretensão turística de Urubici deveria levar em consideração a substituição da paisagem urbana pobre e convencional da cidade por nossos modelos arquitetônicos históricos. Para tanto a prefeitura deveria viabilizar estudos sobre nossos modelos de telhados inclinados do início do século passado e partir para o estabelecimento de padrões de coberturas residenciais e comerciais que poderiam merecer tratamento diferenciado nas taxas de IPTU.

Isso custa pouco, mas vale muito.


Lunes

1.5.09

A passagem



Passa vida, passa sob a nossa janela.
Em tumultuado tropel de bois e poesia,
Em cores tão vivas, tão belas
Que mesclam o esboço, o pincel e a tela.

Passa vida, passa.
E sob nossos olhos define:
Imago et lux,
Pessoas e coisas em esplêndida vitrine.

Que importa o espetáculo dos bois enfurecidos
Se nossa alma é tomada por clarividente destino?

Que importa o ruído dos cascos
Se a dimensão infinita da vida
Tornou ancião um menino?

Para vida! Para!...
Que seja eterna e amena
E que depois de tudo
Ainda dure infinito tempo.
E que além intenção, seja plena.


17.4.09

A passagem




O Rio Urubici rumorejava feliz na altura da ponte de madeira em que os caminhões da Florestal bufando vapores sob o capô e soltando fumaça pelos aros dos rodados ferventes davam sinais de que fariam a parada salvadora no Posto do Ghizoni.

Também desciam o Avencal as tropas de gado chucro e feroz. O gado comportava-se bem até a ponte. Os peões que conduziam o gado sabiam que, durante a descida do morro, na estrada ladeada por campos e pinheirais, o gado experimentava um certo conforto de um ambiente que lhe era familiar. Ao chegar na cidade porém, os bovinos se espantavam com o burburinho das crianças do grupo escolar e passavam já assustados no Bar da Praça, onde alguns bebuns convictos saudavam os vaqueiros com assobios e gritos de “eeeira boi…”. A adrenalina do gado subia a níveis incontroláveis.

Mas o pior os peões já sabiam. Na altura do armazém do seu Max, o gado tinha que descrever uma curva à esquerda e como alguns bois, já esbaforidos, apressassem seu passo, tendiam a seguir em linha reta na direção da casa do morro.

O velho Max aproximava-se da porta do armazém para apreciar a boiada. Com olhar divertido percebia a exaltação dos bois e chamava a esposa para assistir o momento em que se colocaria à prova a perícia dos vaqueiros.
-Lídia, corre pra ver o boi brabo. – Dona Lídia aproximava-se da porta do armazém, esticando o pescoço a guardar-se para o caso de algum boi atrevido buscar abrigo dentro da venda.
-Credo! Max, quem é aquele moço do cavalo troteador? É o Lessinho, filho do véio Leco? Credo Max, eu fazia gosto de que ele namorasse a Marli, mas parece que ele gosta é da filha do Abilo

Seu Max com um sorriso franco sorvia as palavras da esposa com satisfação. Sempre era assim. Ele falava baixinho e desafiava a mulher com pitadas de bom humor, para que a esposa se pusesse a expressar suas angústias, alegrias e opiniões. Max não dizia mais nada. Apenas continuava a sorrir. Aquele sorriso perfeito. Silencioso e feliz. Mesmo agora, quando alguns bois subiam na calçada da venda fazendo com que dona Lídia se refugiasse atrás do balcão, seu Max continuava sorrindo, confiante no “braço” dos cavaleiros que pastoreavam a boiada selvagem.

O cavalo troteador passou rente à porta do armazém. O cavaleiro aproximou o arreador à aba do chapéu para cumprimentar:
-Buenas seu Max! – E lá se foi o Lessi troteando por entre as guampas afiadas buscando posicionar-se à entrada da rua para evitar que o gado seguisse em frente.
-EEEEEIIIIRA!


Não obstante o esforço dos vaqueiros, a boiada se dividiu. Uns seguiram no rumo da casa do morro, espalharam-se pela Santa Cruz, em frente à igreja. Outros desceram apressados pelo canto da calha da roda d’água e caíam no Riacho escorregando nas pedras lisas de limo. Algumas reses bebiam calmamente a água do cocho de madeira das lavadeiras. Outros se empapuçavam com as folhagens da casa da dona Carmelina.

As crianças que desciam da igreja ficaram em meio ao estouro da boiada. A gritaria espalhou-se pela praça e as lavadeiras largaram suas trouxas de roupa buscando refúgio na rodoviária, no hotel da dona Judite, na venda do Bastiãozinho, ou na loja do seu Abílio.

Dentro do lageano, Pêta, o motorista, gritava divertido. No meio do campinho, atrás da verdureira, Geni, o Mariposa, distraíra-se descascando um abacaxi e não percebeu a boiada chegando. Cercado pelos bois, o Mariposa os toureava como podia. Os chifres passavam rente a sua bunda saliente e o Pêta, da janela do ônibus, gargalhava e finava-se de rir:
-Sai Geni… Olha o outro aí atrás… Ah Ah Ah! Cagou-se Mariposa!

Seu Abílio correu para proteger os cristais da loja abaixando a porta de ferro. Dona Elvira gritava pelas crianças que haviam ficado no paiol.
-Fiquem aí. Não saiam agora.


Um boi enfurecido adentrou pelo quintal, passou bufando pela cerca-viva e investiu contra algumas peças de roupa que secavam no varal.
O cavalo do Lessi saltou o portãozinho de madeira e o filho do véio Leco armou uma laçada certeira nas guampas do boi que se atrevera pelo quintal da casa do seu Abílio.

Orgulhoso, Lessi conduzia a rês atada pelos chifres. O cavalo passou pela janela da casa. Lessi recolheu as rédeas numa manobra elegante. Levou a mão ao chapéu cumprimentando as duas moças bonitas que estavam à janela. A mais nova falou à outra:
- Olhe Alda! É esse. Veja como ele é bonito.

11.4.09

Estórias de babões, peidões e mentirosos


         Sinha Maria aproximou-se do fogão de lenha em que ardiam as brasas incandescentes avermelhando-lhe a chapa de ferro escovada a capricho pelas mãos de Dona Elvira. Num gesto mecânico, Sinha Maria retesou os músculos dos braços estendendo as mãos calejadas e os dedos tortos sobre a chapa para apanhar o calor do fogo. Esfregou as mãos com vigor e satisfação.
 - Dona Ervíria, eu tava lá no lado das muié que peidaro na igreja de já hoje na Missa.
 - Credo, Sinha Maria - retrucou Dona Elvira enquanto repassava à negra uma xícara de café fumegante - Nem fale nisso. Que pecado. Como alguém iria... fazer uma coisa dessas dentro da igreja?
 - Mas, aconteceu Dona Ervíria. O padre Ludovico, oiô pro nosso lado por cima dos ócro. Eu nem se mexi. Se ele pensa que fui eu, tá inganado. Mas ele oiô pra mim...
 - Que coisa, Sinha Maria eu morria de vergonha se o Padre olhasse pra mim desse jeito.

        Sinha Maria baixou os olhos. Naquele momento, percebeu que estava em uma situação bastante constrangedora. Teria o Padre desconfiado dela? Como poderia defender-se.  Pensou em conversar com o Padre e confessar sua inocência, mas percebeu o quanto isso seria difícil. O Padre Ludovico falava tudo com um sotaque alemão carregado. Também não entendia quase ninguém da cidade. Desde que viera da Alemanha, o povo esperava que, aos poucos, o Padre fosse aprendendo a falar português. Mas o tempo passara e as coisas pareciam não melhorar. Melhor não tentar conversar com o Padre alemão... Mas havia outra coisa que incomodava Sinha Maria. Assentada sobre uma pilha de lenha ao lado do fogão, ela molhava o pão que Dona Elvira trouxera na xícara de café e entornava todo o líquido, como era seu costume. Fazia essas visitas à casa do Seu Abílio Nunes e de sua esposa Elvira aos domingos, após a missa. Fazia um jejum definido pelo costume religioso, para poder comungar e chegava à casa dos Nunes com uma fome feroz.

       Acompanhava-a sempre o filho Antonio, um sujeito tosco e mal-cheiroso, mas misterioso e cativante. Por paradoxo, Antonio ostentava uma simpatia enorme que lhe escondia os defeitos. Antonio Tatu, como era conhecido na cidade, fazia trabalhos domésticos, capinava, cortava lenha e carregava pedras. Antonio, tomando café em pé, do outro lado do fogão não demonstrava ouvir o diálogo das mulheres. Nisto, o Antonio Tatu era finório. Escutava o que queria e dirigia o olhar para longe quando não gostava do assunto, ou sabia que não lhe era próprio. Metido em um paletó com contornos debruados, herdado de alguma das tantas vítimas da guerra na Alemanha, o Tatu continuava absorto em seus pensamentos mastigando o pão que lhe trouxera a dona da casa, e que igualmente embebia no café antes de levar à boca fazendo uma lambança enorme. O café escorria-lhe pela barba e pingava no fogão que respondia chiando sua chapa quente e fazendo as gotas percorrerem um eito pulando sobre o ferro lixado até se evaporarem por completo.

        Quando Dona Elvira se afastou por um momento, Sinha Maria dirigiu-se ao filho com alguma angústia:
 - O Padre achou que fui eu... A Dona Ervíria também desconfiô de mim...
Antonio Tatu não esboçou reação. Continuou sorvendo o pão molhado de café. Sinha Maria agora comia alguns pinhões que estavam assando na chapa. Franzia a testa e tornava incontável sua sequência de rugas. Nem tem com quem falar pra dizer que não foi ela. Nem com seu filho, nem com o padre, nem com Dona Elvira. Falar num assunto desses com o Seu Abílio seria a pior viagem. O dono da casa era austero e tinha uma fama de corretíssimo em tudo. O jeito é ficar calada e deixar que as desconfianças recaiam mesmo sobre ela mesma. Indefesa por sua prória ignorância e passível de ser acusada por sua imagem de pouco asseio e educação tosca, Sinha Maria chegou à conclusão de que nada alteraria sua existência, nem haveria acusação que pudesse denegrir mais sua imagem.
- Fui eu mesma que peidei na igreja... - Sussurrou mordendo uma casca de pinhão. - Antonio Tatu, ligou seu ouvido seletivo e levantou os olhos para ela desaprovando a autoria de um ato tão nefando e irreverente.

        Neste momento chegam as crianças da casa. Após a missa tiveram uma aula de catequese com Dona Pepita e agora chegavam barulhentas e reclamando do frio. As crianças se acercaram do fogão de lenha e cumprimentaram Sinha Maria e Antônio (ninguém se referia diretamente a ele por seu apelido de Tatu). Apanharam alguns pinhões e sairam tagarelando. Permaneceu junto ao fogão apenas a menina Salete. Olhinhos espertos, fita de laço no cabelo e boca gulosa mordiscando os pinhões amassados com uma acha de lenha, pelo Tatu.
 - A senhora viu, Sinha Maria?
 - O quê?
 - O peido na igreja?
 - É... Nossa Senhora tenha pena de mim. - Choramingou Sinha Maria. E a Salete continuou animada:
 - O peido foi alto. Fez tchuuunc!
 - Pois é Saletinha. Mas não fedeu né?
 - Não Sinha Maria. Foi só o barulho. Todo mundo ficou olhando pra ver de onde tinha saído. - E Sinha Maria conformada:
 - Pois é... o padre me oiô... - E a Salete num largo sorriso:
 - Quem soltou esse fui eu. Mas não conta pro pai tá?

20.4.06

Hoje quero ser pequenino.

Hoje,
Meus ouvidos estarão fechados para os ruídos da adversidade.

Hoje,
Descansarei meus olhos entediados por miragens sem harmonia.
Não lançarei olhares vãos à procura da estética forçada.

Hoje,
Quero a simplicidade.
Quero as formas básicas.
Quero a harmonia espontânea e infinita da Natureza.

Hoje,
Não quero que minha língua, adaga afiada, metralhe palavras de mal-querer.
Palavras são armas ou bálsamo.
Quero-as livres da rudeza das setas.
Hoje não quero ferir ninguém.

Hoje,
Minhas mãos não se fecharão em punhos cerrados.
Meus músculos não estarão tensos para agredir.
Quero que minhas mãos ensaiem a leveza do toque de agradar.
Quando tocar alguém, quero que meu toque seja suave.
Que minhas únicas tensões sejam vibrações de amor.

Hoje,
É melhor calar,
Fechar os olhos,
Ouvir,
Tocar com carinho.
Amar.

Hoje,
Quero poder perceber o frescor da manhã e o hálito perfumado da noite.
Quero o calor do sol e o cheiro da terra molhada pela chuva.
Quero o perfume de lavanda que, num halo de inocência é exalado dos cabelos das crianças.

Hoje,
Quero ser simples e natural como os pequeninos.
Quero poder apreciar o sorriso das crianças.
Quero que meus ouvidos se abram para ouvir seu gargalhar infantil e despreocupado.
Quero ser invadido por uma onda infinita de inocência.
Quero imitar as crianças em suas crenças, em sua beleza, na simplicidade de seus propósitos.

Porque,
Ser feliz é ser inocente,
Acreditar que um mundo bom existe.
Ter a certeza e a tranquilidade da proteção.
Dormir profundamente. Feliz e seguro de que Papai e Mamãe com seus “super-poderes” estarão cuidando para que nada de ruim aconteça.
E crer.
Acreditar de verdade...
Ver as coisas, não com os olhos, mas com o coração puro:
Papai Noel descendo da chaminé e deixando sob minha árvore todas as coisas boas com as quais sonhei.

Porque,
Só quem é simples pode saborear o doce dos bombons.
Só quem é como criança pode ver a bondade em todas as coisas.
Só quem é pequenino não fere os outros com palavras.

Porque,
Na inocência repousa a paz.
Na crença está a felicidade.
No coração das crianças está tudo o que o mundo precisa para ser feliz.

Porque,
Precisamos parar de destruir o mundo com nossas atitudes adultas.
Precisamos parar de usar a Natureza como um recurso pessoal.
Precisamos nos despojar do poder e da majestade dos tolos infelizes que governam sua caótica vida pensando apenas em si.

Para isso,
Existem as crianças....
E existe o Natal...
E existem amigos como os que estão hoje ao nosso lado.

Para isso fomos feitos e
Para isso estamos hoje aqui:

PARA AMAR...

25.5.05

Omnibus para todos

Segundo nossa consultora para assuntos de língua latina, a palavra ônibus vem da expressão "omnibus", que significa "para todos". Muito certa e coerente a utilização da palavra em português, pois é nos ônibus que viajam todos: pobres e ricos, crianças e velhos, pretos e brancos.

Nossa infância em Urubici foi marcada pela presença obrigatória do ônibus na vida das pessoas. Havia uma linha que vinha de São Joaquim e ia até Alfredo Wagner (Barracão). Este ônibus era conhecido simplesmente por "Linha ".
- A Linha já desceu, seu Zito?
- Não ainda não chegou lá no Vigorelli, mas já escutei apitando no Avencal lá na Curva do Caixão. Não demora tá aí.

Pois a Linha dava sinais de sua chegada. No silêncio da pequena Urubici, escutava-se os "apitos" no Avencal e suas sonoridades diferentes informavam em que lugar exato se encontrava o ônibus. Antes da ponte, próximo ao Moinho do Seu Celeste o apito era considerado como a hora de pegar a mala e ir indo em direção à rodoviária que ficava ao lado do Posto de gasolina do Antônio Ghizoni.

Outra personagem motorizada mais antiga era o "Bicudinho". Um espécime estranho que possuía um porta-malas acima do teto.

Bicudinho - Ford F8 1950 em frente à Casa Paroquial
Colocar malas no teto, pelo lado de fora parecia algo normal. Com a poeira toda e o barro das estradas antigas... imagine como ficavam as roupas nas malas.

O  Bicudinho levava apenas 19 passageiros, um cobrador e um motorista. Lotação completa. Ninguém se queixava de nada... Pneus furados...  atrasos de horas... radiador fervendo... barreira no panelão tendo que dormir em Santa Clara... nada incomodava ninguém. Todos seguiam a sua viagem felizes da comodidade que os tempos modernos os presenteavam.

Alguém está com caganeira? Não é problema. O Bicudinho parava e o vivente ia cagar no mato... A mulher que abriu a janela pra vomitar perdeu a dentadura... não esquenta a cabeça: O motorista manda o cobrador descer e procurar o "aparelho" pela estrada.

Tempos felizes, aqueles em que todos se sentiam presenteados com as "dádivas da tecnologia". Ninguém colocava seus "direitos" de forma ostensiva para exigir privilégios.

A Linha fazia "baldeação" (isso mesmo: baldeação...) em Barracão e o freguês podia pegar um ônibus da Empresa Haverroth para seguir para Rio do Sul, com direito às curvas da estrada apertada de Ituporanga cercada de vergamoteiras carregadas. O Urubiciense quando chegava na Rodoviária de Ituporanga fazia questão de comprar algumas daquelas vergamotas cheirosas. E o ônibus todo se enchia do perfume doce e cítrico. Um cheiro delicioso mas que rapidamente se tornava enjoativo. ... e todo mundo vomitava todas as vergamotas que havia saboreado. (Meu Deus! Como vomita essa gente!)

Outra alternativa da linha era descer o Quebra-Dente rumo à Florianópolis, com direito a uma parada no "Café dos Alemão" em Taquaras para comer pão de milho caseiro e tomar café de 500 réis (50 centavos de um cruzeiro) a xícara.

Havia também outro ônibus muito interessante. Todos conheciam o ônibus amarelo da Empresa Rex como "O Lageano". Esse ônibus era dirigido por uma figura folclórica, o Pêta, filho da Dona Cristina. Um sujeito gorduchinho, com uma gravatinha azul muito pequena em comparação com sua barriga, um palitinho sempre sendo mascado e um "ensaio de bigode" fino e espetadinho logo acima dos dentes.
O "Lageano" com o Pêta em ação e seus passageiros
Mas... O Pêta era "uma parada"! Ele cantava ao volante. Deliciava os passageiros com lindos boleros e parava o lageano em Bocaina do Sul, num bar de madeira com forte cheiro de pastel frito. Ali uma mulher cega entrava no ônibus e, sob a indulgência do Pêta, pedia esmolas de modo peculiar:
- Mais arguns corações generosos vão me ajudar????

São tantas as histórias do Pêta, deslizando na lama do Rufino, atravessando rios na Consolação, mandando o passageiro embarcado no Vacariano colocar as galinhas que trouxera, ali mesmo ao lado do capô do motor...

Ônibus é saudade. Saudade de um tempo em que cada um se colocava em seu lugar, admitindo que outros também tivessem seu cantinho, seu jeito, sua maneira própria de ir vivendo a vida. Nos ônibus de Urubici a vida tinha uma regra fundamental para a boa convivência: a regra da TOLERÂNCIA.
Isso somente poderia mesmo acontecer nos ÔNIBUS. porque afinal, os omnibus são para todos.
UM PASSINHO ATRÁS FAAAAAZ FAVÔÔÔ...


Auto Viação Haverroth - Barracão a Rio do Sul

Lages - Florianópolis. Alternativa em Santa Clara - É só levantar o braço e ele para.